História da Aldeia de Amor

A freguesia de Amor encontra-se localizada numa área plana,com 18,2 Km , 10 Km a noroeste de Leiria.Tem uma localização previligiada,pois fica entre Leiria, Marinha Grande e Monte Real,e é atravessada pela E.N.349-1 , por um afluente do Rio Lis e pelo caminho de ferro(pela velhinha linha do oeste).Na actualidade , e baseando-nos nos Censos de 2002,tem cerca de 4743 habitantes,que se distribuem pelos 1820 alojamentos . Os edifícios estão contabilizados em 1726.

Wednesday, May 19, 2010

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Bem hoje trago-vos uma aldeia deste nosso Portugal com um nome que deixa a maior parte das pessoas espantadas com um sorriso na cara, esta pequena aldeia chama-se Amor, "ahh que giro, não sabia que existia uma terra com esse nome..." ; "bem deve ser só amor por lá..." ou " então deves ser um amor..." são exclamações que oiço várias vezes das pessoas, quando lhes digo o nome desta terra.














Pois bem, decidi então trazer esta terra a este blog, localiza-la geograficamente, falar um pouco da actividade económica, revelar de onde surgiu este nome que a tantas pessoas deixa espantadas e por fim alguns aspectos turísticos.



Amor não é só uma aldeia como é também freguesia, ocupa uma área aproximada de 23km2 a oeste da cidade de Leiria, geograficamente fica enquadrada pelos paralelos 39º45' e 39º48' Norte e pelos meridianos 8º49' e 8º53' Oeste.



Esta freguesia é composta pelas seguintes localidades: Casal dos Claros, Coucinheira, Casal Novo, Barreiros, Amor e Toco. No ano de 2001, aquando dos últimos censos, esta freguesia registou aproximadamente 4700 habitantes.



Segundo os mesmos censos o sector económico que mais residentes emprega, nesta freguesia, é o sector secundário com cerca de 52% de população residente empregada. A principal actividade económica desta freguesia é a construção, seguido pelo comércio a grosso e a retalho e reparação de veículos.







Vou então agora falar-vos da origem do nome desta terra, que se encontra ligada à origem de uma outra terra bem próxima, segundo João Cabral in Anais do Município de Leiria, conta a lenda o seguinte:



“Era uma vez ... fazia o Senhor Rei D. Dinis e a sua Santa mulher, a Rainha Isabel, uma mais demorada pousada em Leiria, talvez para descansar dos muitos a fazeres do seu alto cargo. Um dia, o Rei passeando no seu fogoso corcel, galopou, galopou, campos fora, e, lá longe, num pequeno lugar vê uma camponesa formosa como nenhuma outra se vira ainda em muitas léguas ao derredor.



Apaixonou-se o Rei pela camponesa e ali, naquele lugar, no meio do campo florido de papoilas e malmequeres, nasceu naquele dia um grande amor. As visitas do Rei ao seu grande amor continuaram e tornaram-se conhecidas nas redondezas, e, àquele lugar começaram a chamar Amor.



Também a Rainha soube dos novos amores do seu marido e Rei e, para lhe mostrar a sua reprovação sem o melindrar, mandou uma noite alumiar o caminho por onde o Rei, seu esposo, deveria regressar a Leiria.



D. Dinis, ao dar com as veredas, por onde voltava, com grande alumiação, de muitos fogachos, viu estar ali uma muda intenção crítica da Rainha, e exclamou:

"Até aqui cego vim!" E o sítio onde começavam as iluminarias passou a chamar-se "Cegovim", que, por uma natural corruptela popular se chama hoje Cegovim.”



Turisticamente os pontos de maior interesse desta freguesia são a sua igreja matriz de S. Paulo e S. Pedro, com uma imagem quatrocentista do padroeiro da terra S. Paulo; a capela de S. Jorge na localidade dos Barreiros e a capela de Nossa Senhora de Fátima, na localidade Casal dos Claros e Coucinheira. Existe ainda nesta freguesia um habitat Paleolítico e Pré-história nas margens da Ribeira do Fagundo no Casalito.



Podemos ainda referir as festas populares e religiosas desta freguesia, temos então em Agosto a festa em honra de S. Pedro e S. Paulo em Amor, a festa em honra de Senhora e Sagrado Coração de Jesus em Julho, no Casal dos Claros e as festas em honra de S. Jorge, em Abril e Imaculada Conceição em Outubro, ambas na localidade dos Barreiros.







A nível de restauração recomendo-vos sem dúvida uma visita ao restaurante “O Côdea” em Casal dos Claros onde poderão apreciar sabores diferentes de uma mistura de cozinhas francesa, italiana e suíça. Para os mais interessados deixo-vos aqui o link deste restauante onde poderão visualizar o bom aspecto dos pratos: http://www.ocodea.com







Para um bom lanche ao fim da tarde não deixem de passar na “Chocolataria Alex”, também em Casal dos Claros, um sítio onde os verdadeiros apreciadores do chocolate não podem deixar de ir (curiosamente eu que sou “chocolatodependente” ainda não fui, mas já provei os doces e são realmente muito bons)

O desafio na Wikimania já foi lançado. Entreguem as suas apresentações até 20 de Maio. [Esconder]


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O Crime do Padre Amaro/VII

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Dias depois o padre Amaro e o cônego Dias tinham ido jantar com o abade da Cortegassa. - Era um velho jovial, muito caridoso, que vivia há trinta anos naquela freguesia e passava por ser o melhor cozinheiro da diocese. Todo o clero das vizinhanças conhecia a sua famosa cabidela de caça. O abade fazia anos, havia outros convidados - o padre Natário e o padre Brito: o padre Natário era uma criaturinha biliosa, seca, com dois olhos encovados, muito malignos, a pele picada das bexigas e extremamente irritável. Chamavam-lhe o Furão. Era esperto e questionador; tinha fama de ser grande latinista, e ter uma lógica de ferro; e dizia-se dele: é uma língua de víbora! Vivia com duas sobrinhas órfãs, declarava-se extremoso por elas, gabava-lhes sempre a virtude, e costumava chamar-lhes as duas rosas do seu canteiro. O padre Brito era o padre mais estúpido e mais forte da diocese; tinha o aspecto, os modos, a forte vida de um robusto beirão que maneja bem o cajado, emborca um almude de vinho, pega alegremente à rabiça do arado, serve de trolha nos arranjos de um alpendre, e nas sestas quentes de Junho atira brutalmente as raparigas para cima das medas de milho. O senhor chantre, sempre correto nas suas comparações mitológicas, chamava-lhe - o leão de Nemeia.



A sua cabeça era enorme, de cabelo lanígero que lhe descia até as . sobrancelhas: a pele curtida tinha um tom azulado, do esforço da navalha de barba; e, nas suas risadas bestiais, mostrava dentinhos muito miúdos e muito brancos do uso da broa.



Quando iam sentar-se à mesa chegou o Libaninho todo azafamado, gingando muito, com a calva suada, exclamando logo em tons agudos:



— Ai, filhos! desculpem-me, demorei-me mais um bocadinho. Passei pela igreja de Nossa Senhora da Ermida, estava o padre Nunes a dizer uma missa de intenção. Ai, filhos! papei-a logo, venho mesmo consoladinho!



A Gertrudes, a velha e possante ama do abade, entrou então com a vasta terrina do caldo de galinha: e o Libaninho, saltitando em redor dela, começou os seus gracejos:



— Ai, Gertrudinhas, quem tu fazias feliz, bem eu sei!



A velha aldeã ria, com o seu espesso riso bondoso, que lhe sacudia a massa do seio.



— Olha que arranjo me aparece agora pela tarde!...



— Ai, filha! as mulheres querem-se como as pêras, maduras e de sete cotovelos. Então é que é chupá-las!



Os padres gargalharam; e, alegremente, acomodaram-se à mesa.



O jantar fora todo cozinhado pelo abade: logo à sopa as exclamações começaram:



— Sim, senhor, famoso! Disto nem no Céu! Bela coisa!



O excelente abade estava escarlate de satisfação. Era, como dizia o senhor chantre, "um divino artista" ! Lera todos os Cozinheiros completos, sabia inúmeras receitas; era inventivo - e, como ele afirmava dando marteladinhas no crânio, "tinha-lhe saído muito petisco daquela cachimônia" ! Vivia tão absorvido pela sua "arte" que lhe acontecia, nos sermões de domingo, dar aos fiéis ajoelhados para receberem a palavra de Deus, conselhos sobre o bacalhau guisado ou sobre os condimentos do sarrabulho. E ali vivia feliz, com a sua velha Gertrudes, de muito bom paladar também, com o seu quintal de ricos legumes, sentindo uma só ambição na vida - ter um dia a jantar o bispo!



— Oh senhor pároco! dizia ele a Amaro, por quem é! mais um bocadinho de cabidela, faça favor! Essas codeazinhas de pão ensopadas no molho! Isso! isso! Que tal, hem? - E com um aspecto modesto: - Não é lá por dizer, mas a cabidela hoje saiu-me boa!



Estava com efeito, como disse o cônego Dias, de tentar Santo Antão no deserto! Todos tinham tirado as capas, e, só com as batinas, as voltas alargadas, comiam devagar, falando pouco. Como no dia seguinte era a festa da Senhora da Alegria, os sinos na capela, ao lado, repicavam; e o bom sol do meio-dia dava tons muito alegres à louça, às bojudas canecas azuis com vinho da Bairrada, aos pires de pimentões escarlates, às frescas malgas de azeitonas pretas - enquanto o bom abade, de olho arregalado, mordendo o beiço, ia cortando com cuidado nacos brancos do peito do capão recheado.



As janelas abriam para o quintal. Viam-se dois largos pés de camélias vermelhas crescendo junto ao peitoril, e para além das copas das macieiras um pedaço muito vivo de céu azul-ferrete. Uma nora chiava ao longe, lavadeiras batiam a roupa.



Sobre a cômoda, entre in-folios, na sua peanha, um Cristo perfilava tristemente contra a parede o seu corpo amarelo, coberto de chagas escarlates: e, aos lados, simpáticos santos sob redomas de vidro, lembravam legendas mais doces de religião amável: o bom gigante S. Cristóvão atravessando o rio com o divino pequerrucho que sorri, e faz saltar o mundo sobre a sua mãozinha como uma péla; o doce pastor S. Joãozinho coberto com uma pele de ovelha, e guardando os seus rebanhos, não com um cajado, mas com uma cruz; o bom porteiro S. Pedro, tendo na sua mão de barro as duas santas chaves que servem nas fechaduras do Céu! Nas paredes, em litografias de coloridos cruéis, o patriarca S. José apoiava-se ao seu cajado onde florescem lírios brancos; o cavalo empinado do bravo S. Jorge pisava o ventre dum dragão surpreendido; e o bom Santo Antônio, à beira dum regato, sorria, falando a um tubarão. O tlintlim dos copos, o ruído das facas animava a velha sala, de teto de carvalho defumado, duma alegria desusada. E Libaninho devorava, dizendo pilhérias.



— Gertrudinhas, flor do caniço, passa-me as bages. Não me olhes assim, magana, que me fazes revolver os intestinos!



— O diabo é o homem! dizia a velha. Olha para o que lhe deu! Falasse-me aqui há trinta anos, seu perdido!



— Ai, filha! exclamava revirando os olhos, nem me digas isso que sinto coisas pela espinha acima!



Os padres engasgavam-se de riso. Já duas canecas de vinho estavam vazias: e o padre Brito desabotoara a batina, deixando ver a sua grossa camisola de lã da Covilhã, onde a marca da fábrica, feita de linha azul, era uma cruz sobre o coração.



Um pobre então viera à porta rosnar lamentosamente Padre-Nossos; e enquanto Gertrudes lhe metia no alforje metade duma broa, os padres falaram dos bandos de mendigos que agora percorriam as freguesias.



— Muita pobreza por aqui, muita pobreza! dizia o bom abade. Ó Dias, mais este bocadinho da asa!



— Muita pobreza, mas muita preguiça, considerou duramente o padre Natário. - Em muitas fazendas sabia ele que havia falta de jornaleiros, e viam-se marmanjos, rijos como pinheiros, a choramingar Padre-Nossos pelas portas. - Súcia de mariolas, resumiu.



— Deixe lá, padre Natário, deixe lá! disse o abade. Olhe que há pobreza deveras. Por aqui há famílias, homem, mulher e cinco filhos, que dormem no chão como porcos e não comem senão ervas.



— Então que diabo querias tu que eles comessem? exclamou o cônego Dias lambendo os dedos depois de ter esburgado a asa do capão. Querias que comessem peru? Cada um como quem é!



O bom abade puxou, repoltreando-se, o guardanapo para o estômago, e disse com afeto:



— A pobreza agrada a Deus Nosso Senhor.



— Ai filhos! acudiu o Libaninho num tom choroso, se houvesse só pobrezinhos isto era o reininho dos Céus!



O padre Amaro considerou com gravidade:



— É bom que haja quem tenha cabedais para legados pios, edificações de capelas...



— A propriedade devia estar na mão da Igreja, interrompeu Natário com autoridade.



O cônego Dias arrotou com estrondo e acrescentou:



— Para o esplendor do culto e propagação da fé.



— Mas a grande causa da miséria, dizia Natário com uma voz pedante, era a grande imoralidade.



— Ah! lá isso não falemos! exclamou o abade com desgosto. Neste momento há só aqui na freguesia mais de doze raparigas solteiras grávidas! Pois senhores, se as chamo, se as repreendo, põem-se a fungar de riso!



— Lá nos meus sítios, disse o padre Brito, quando foi pela apanha da azeitona, como há falta de braços, vieram as maltas trabalhar. Pois agora o verás! Que desaforo! - Contou a história das maltas, trabalhadores errantes, homens e mulheres, que andam oferecendo os braços pelas fazendas, vivem na promiscuidade e morrem na miséria. - Era necessário andar sempre de cajado em cima deles!



— Ai! disse o Libaninho para os lados apertando as mãos na cabeça. Ai, o pecado que vai pelo mundo! Até se me estão a eriçar os cabelos!



Mas a freguesia de Santa Catarina era a pior! As mulheres casadas tinham perdido todo o escrúpulo.



— Piores que cabras, dizia o padre Natário alargando a fivela do colete.



E o padre Brito falou dum caso na freguesia de Amor: raparigas de dezesseis e dezoito anos que costumavam reunir-se num palheiro - o palheiro do Silvério - e passavam lá a noite com um bando de marmanjos!



Então o padre Natário, que já tinha os olhos luzidios, a língua solta, disse repoltreando-se na cadeira e espaçando as palavras:



— Eu não sei o que se passa lá na tua freguesia, Brito; mas se há alguma coisa, o exemplo vem de alto... A mim têm-me dito que tu e a mulher do regedor...



— É mentira! exclamou o Brito, fazendo-se todo escarlate.



— Oh, Brito! oh, Brito! disseram em redor, repreendendo-o com bondade.



— É mentira! berrou ele.



— E aqui para nós, meus ricos, disse o cônego Dias baixando a voz, com o olhinho aceso numa malícia confidencial, sempre lhes digo que é uma mulher de mão-cheia!



— É mentira! clamou o Brito. E falando de um jato: - Quem anda a espalhar isso é o morgado da Cumiada, porque o regedor não votou com ele na eleição... Mas tão certo como eu estar aqui, quebro-lhe os ossos! - Tinha os olhos injetados, brandia o punho: - Quebro-lhe os ossos!



— O caso não é para tanto, homem, considerou Natário.



— Quebro-lhe os ossos! Não lhe deixo um inteiro!



— Ai, sossega, leãozinho! disse o Libaninho com ternura. Não te percas, filhinho!



Mas recordando a influência do morgado da Cumiada, que era então oposição e que levava duzentos votos à uma, os padres falaram de eleições e dos seus episódios. Todos ali, a não ser o padre Amaro, sabiam, como disse Natário, "cozinhar um deputadozinho". Vieram anedotas; cada um celebrou as suas façanhas.



O padre Natário na última eleição tinha arranjado oitenta votos!



— Cáspite! disseram.



— Imaginem vocês como? Com um milagre!



— Com um milagre? repetiram espantados.



— Sim, senhores.



Tinha-se entendido com um missionário, e na véspera da eleição receberam-se na freguesia cartas vindas do Céu e assinadas pela Virgem Maria, pedindo, com promessas de salvação e ameaças do Inferno, votos para o candidato do governo. De chupeta, hem?



— De mão-cheia! disseram todos.



Só Amaro parecia surpreendido.



— Homem! disse o abade com ingenuidade, disso é que eu cá precisava. Eu então tenho de andar aí a estafar-me de porta em porta. - E sorrindo bondosamente: - Com o que se faz ainda alguma coisita é com o relaxe da côngrua!



— E com a confissão, disse o padre Natário. A coisa então vai pelas mulheres, mas vai segura! Da confissão tira-se grande partido.



O padre Amaro, que estivera calado, disse gravemente:



— Mas enfim a confissão é um ato muito sério, e servir, assim para eleições...



O padre Natário, que tinha duas rosetas escarlates na face e gestos excitados, soltou uma palavra imprudente:



— Pois o senhor toma a confissão a sério?



Houve uma grande surpresa.



— Se tomo a confissão a sério? gritou o padre Amaro recuando a cadeira, com os olhos arregalados.



— Ora essa! exclamaram. Oh, Natário! Oh, menino!



O padre Natário exaltado queria explicar, atenuar:



— Escutem, criaturas de Deus! Eu não quero dizer que a confissão seja uma brincadeira! Irra! Eu não sou pedreiro-livre! O que eu quero dizer é que um meio de persuasão, de saber o que se passa, de dirigir o rebanho para aqui ou para ali... E quando é para o serviço de Deus, é uma arma. Aí está o que é - a absolvição é uma arma!



— Uma arma! exclamaram.



O abade protestava, dizendo:



— Oh, Natário! oh, filho! isso não!



O Libaninho tinha-se benzido; e, dizia, "tinha já um tal terror que até lhe tremiam as pernas" !



Natário irritou-se:



— Então talvez me queiram dizer, gritou, que qualquer de nós, pelo fato de ser padre, porque o bispo lhe impôs três vezes as mãos e porque lhe disse o accipe, tem missão direta de Deus, - é Deus mesmo para absolver? !



— Decerto! exclamaram, decerto!



E o cônego Dias disse meneando uma garfada de bages:



— Quorum remiseris peccata, remittuntur eis. É a fórmula. A fórmula é tudo, menino...



— A confissão é a essência mesma do sacerdócio, soltou o padre Amaro com gestos escolares, fulminando Natário. Leia Santo Inácio! Leia S. Tomás!



— Anda-me com ele! gritava o Libaninho pulando na cadeira, apoiando Amaro. - Anda-me com ele, amigo pároco! Salta-me no cachaço do ímpio!



— Oh, senhores! berrou Natário furioso com a contradição, o que eu quero é que me respondam a isto. E voltando-se para Amaro: - O senhor, por exemplo, que acaba de almoçar, que comeu o seu pão torrado, tomou o seu café, fumou o seu cigarro, e que depois se vai sentar no confessionário, às vezes preocupado com negócios de família ou com faltas de dinheiro, ou com dores de cabeça, ou com dores de barriga, imagina o senhor que está ali como um Deus para absolver?



O argumento surpreendeu.



O cônego Dias, pousando o talher, ergueu os braços, e com uma solenidade cômica exclamou:



— Hereticus est! É herege!



— Hereticus est! também eu digo, rosnou o padre Amaro.



Mas a Gertrudes entrava com a larga travessa do arroz-doce.



— Não falemos nessas coisas, não falemos nessas coisas, disse logo prudentemente o abade. Vamos ao arrozinho. Gertrudes, dá cá a garrafinha do Porto!



Natário, debruçado sobre a mesa, ainda arremessava argumentos a Amaro:



— Absolver é exercer a graça. A graça só é atributo de Deus: em nenhum autor encontro que a graça seja transmissível. Logo...



— Ponho duas objeções... gritou Amaro, com o dedo em riste, em atitude de polêmica.



— Oh filhos! oh filhos, acudiu o bom abade aflito. Deixem a sabatina, que até nem lhes sabe o arrozinho!



Serviu o vinho do Porto, para os acalmar, enchendo os copos devagar, com as precauções clássicas:



— Mil oitocentos e quinze! dizia. Disto não se bebe todos os dias.



Para o saborear, depois de o fazer reluzir à luz na transparência dos copos, repoltreavam-se nas velhas cadeiras de couro; começaram as saúdes! A primeira foi ao abade, que murmurava: - Muita honra... muita honra... Tinha os olhos chorosos de satisfação.



— A Sua Santidade Pio IX! gritou então o Libaninho brandindo o cálice. Ao mártir!



Todos beberam comovidos. Libaninho entoou em voz de falsete o hino de Pio IX: o abade, prudente, fê-lo calar por causa do hortelão que no quintal aparava o buxo.



A sobremesa foi longa, muito saboreada. Natário tornara-se terno, falava das suas sobrinhas, "as suas duas rosas", e citava Virgílio, molhando as castanhas em vinho. Amaro, todo deitado para trás na cadeira, as mãos nos bolsos, olhava maquinalmente as árvores do jardim, pensando vagamente em Amélia, nas suas formas; suspirou mesmo com um desejo dela - enquanto o padre Brito, rubro, queria convencer os republicanos a marmeleiro.



— Viva o marmeleiro do padre Brito! gritou entusiasmado o Libaninho.



Mas Natário começara a discutir com o cônego história eclesiástica: e, muito questionador, voltou aos seus argumentos vagos sobre a doutrina da Graça: afirmava que um assassino, um parricida poderia ser canonizado - se se tivesse revelado o estado de Graça! Divagava, com frases de escola em que se lhe pegava a língua. Citou santos que tinham sido escandalosos; outros que pela sua profissão deviam ter conhecido, praticado, amado o vício. Exclamou com as mãos na cinta:



— Santo Inácio foi militar!



— Militar? gritou o Libaninho. - E erguendo-se, correndo a Natário, lançando-lhe um braço ao pescoço com uma ternura pueril e avinhada: - Militar? E que era ele? Que era ele, o meu devoto Santo Inácio?



Natário repeliu-o:



— Deixe-me, homem! Era sargento de caçadores.



Houve uma enorme risada.



O Libaninho ficara extático.



— Sargento de caçadores! dizia erguendo as mãos num ímpeto beato. Meu rico Santo Inácio! Bendito e louvado seja ele por toda a eternidade!



E então o abade propôs que fossem tomar café para debaixo da parreira.



Eram três horas. Ao erguer-se todos cambaleavam um pouco, arrotando formidavelmente, com risadas espessas; só Amaro tinha a cabeça lúcida, as pernas firmes - e sentia-se muito terno.



— Pois agora, colegas, disse o abade sorvendo o último gole de café, o que está a calhar é um passeio à fazenda.



— Para esmoer, rosnou o cônego erguendo-se com dificuldade. vamos lá à fazenda do abade!



Foram pelo atalho da Barroca, um caminho estreito de carros. O dia estava muito azul, dum sol tépido. A vereda seguia entre valados eriçados de silvas, para além as terras lisas estendiam-se cobertas de restolho; a espaços as oliveiras destacavam, com grande nitidez, na sua folhagem fina; para o horizonte arredondavam-se colinas cobertas da rama verde-negra dos pinheiros; havia um grande silêncio; só às vezes, ao longe, num caminho, um carro chiava. E naquela serenidade da paisagem e da luz, os padres iam caminhando devagar, tropeçando um pouco, de olho aceso, estômago enfartado, chacoteando e achando a vida boa.



O cônego Dias e o abade, de braço dado, caturravam. O Brito, ao lado de Amaro, jurava que havia de beber o sangue ao morgado da Cumeada.



— Prudência, colega Brito, prudência, dizia Amaro chupando o cigarro.



E o Brito, com passadas de carretão, rosnava.



— Hei-de comer-lhe os fígados.



O Libaninho atrás, só, cantarolava em falsete:



— Passarinho trigueiro,



Salta cá fora...



Adiante de todos ia o padre Natário: levava a capa no braço, arrastando pelo chão; a batinha desabotoada por trás deixava ver o forro imundo do colete; e as suas pernas escanifradas, com as meias pretas de lã cheias de passagens, faziam bordos que o atiravam contra o silvado.



E no entanto Brito, com grandes bafos de vinho, roncava:



— Eu só me contentava em agarrar num cajado e correr tudo! tudo! - e gesticulava com um gesto imenso que abrangia o mundo!



— Tem as asas quebradas,



Não pode agora...



Gania atrás o Libaninho.



Mas pararam de repente: Natário adiante gritava com voz furiosa:



— Seu burro, você não vê? Sua besta!



Era à volta do atalho. Tropeçara com um velho que conduzia uma ovelha; ia caindo; e ameaçava-o com o punho fechado numa raiva avinhada.



— Queira vossa senhoria perdoar, dizia humildemente o homem.



— Sua besta! berrava Natário com os olhos chamejantes. Que o racho!



O homem balbuciava, tinha tirado o chapéu; viam-se os seus cabelos brancos; parecia ser um antigo criado da lavoura envelhecido no trabalho; era talvez avô - e curvado, vermelho de vergonha, encolhia-se com as sebes para deixar passar no estreito caminho de carros os senhores padres joviais e excitados da vinhaça!



Amaro não os quis acompanhar até à fazenda. Ao fim da aldeia, no cruzeiro, tomou pelo caminho de Sobros, voltou para Leiria.



— Olhe que é uma légua à cidade, dizia o abade. Eu mando-lhe aparelhar a égua, colega.



— Qual história, abade, a perninha é rija! - e, traçando alegremente a capa, partiu cantarolando o Adeus...



Ao pé da Cortegassa o atalho de Sobros alarga-se, ao comprido dum muro de quinta coberto de musgos e eriçada no alto de luzidios fundos de garrafas. Quando Amaro chegou próximo ao portão de carros, baixo e pintado de vermelho, encontrou no meio do caminho, parada, uma grande vaca malhada; Amaro divertido espicaçou-a com o guarda-chuva; a vaca trotou balouçando a papeira - e Amaro ao voltar-se viu Amélia, ao portão, que saudava, dizendo toda risonha:



— Então está-me a espantar o gado, senhor pároco?



— É a menina! Que milagre é este?



Ela fez-se um pouco vermelha:



— Vim à quinta com a D. Maria da Assunção. Vim dar uma vista de olhos à fazenda.



Ao pé de Amélia uma rapariga acamava couves numa canastra.



— Então esta é que é a quinta da D. Maria?



E Amaro deu um passo para dentro do portão.



Uma rua larga de velhos sobreiros, dando uma sombra doce, estendia-se até à casa que se entrevia no fundo, branquejando ao sol.



— É. A nossa fazenda fica do outro lado, mas entra-se também por aqui. Vá, Joana, avia-te!



A rapariga pôs a canastra à cabeça, deu as boas-tardes, meteu pelo caminho de Sobros, batendo muito os quadris.



— Sim, senhor! sim, senhor! Parece uma boa propriedade, considerava o pároco.



— Venha ver a nossa fazenda! disse Amélia. É uma migalhinha de terra, mais para fazer uma idéia. Vai-se por aqui mesmo... Olhe, vamos ter lá baixo com a D. Maria, quer?



— Valeu. Vamos lá à D. Maria, disse Amaro.



Foram subindo a rua dos sobreiros, calados. O chão estava cheio de folhas secas, e, entre os troncos espaçados, moutas de hortênsias pendiam abatidas, amareladas dos chuveiros; ao fundo a casa baixa, velha, de um andar só, assentava pesadamente. Ao longo da parede grandes abóboras amadureciam ao sol, e no telhado, todo negro do Inverno, esvoaçavam pombos. Por trás o laranjal formava uma massa de folhagens verde- escuras; uma nora chiava monotonamente.



Um rapazinho passou com um balde de lavagem.



— Para onde foi a senhora, João? perguntou Amélia.



— Foi pro olival, disse o rapaz com a sua vozinha arrastada. O olival era longe, no fundo da quinta: havia ainda grandes lamas, não se podia ir lá sem tamancos.



— Vai-se a gente sujar toda, disse Amélia. Deixar lá a D. Maria, hem? Vamos nós ver a quinta... Por aqui, senhor pároco...



Estavam defronte dum velho muro onde cresciam clematites. Amélia abriu uma porta verde; e por três degraus de pedra desconjuntados desceram a uma rua toldada por uma larga parreira. Junto do muro cresciam rosas de todo o ano; do outro lado, por entre os pilares de pedra que sustentavam a latada e os pés torcidos das cepas, via-se, batido de luz, com tons amarelados, um grande campo de erva; os tetos baixos do curral coberto de colmo destacavam ao longe em escuro, e desse lado um fumozinho leve e branco perdia-se no ar muito azul.



Amélia a cada momento parava, explicava a quinta. - Ali ia semear- se cevada; além havia de ver o cebolinho, estava muito bonito...



— Ah! a D. Maria da Assunção traz isto muito bem tratado!



Amaro ouvia-a falar, com a cabeça baixa, olhando-a de lado; a sua voz naquele silêncio dos campos parecia-lhe mais rica, mais doce; o grande ar dava-lhe uma cor mais picante às faces; o seu olhar rebrilhava. Para saltar umas lamas tinha apanhado o vestido; e a brancura da meia, que ele entreviu, perturbou-o como um começo da sua nudez.



Ao fundo da parreira atravessaram um campo ao comprido dum regueiro. Amélia riu muito do pároco, que tinha medo dos sapos. Ele então exagerou os seus sustos. Ó menina Amélia, haveria víboras? Ele roçava-se por ela, afastando-se das ervas altas.



— Vê aquele valado? Pois para o lado de lá é a nossa fazenda. Entra- se pela cancela, vê? Mas veja lá se está cansado! Que o senhor parece-me que não é grande caminhador... Ai, um sapo!



Amaro deu um pulinho, tocou-lhe o ombro. Ela empurrou-o docemente, e com um riso cálido:



— Seu medroso! seu medroso!



Estava toda contente, toda viva. Falava na sua fazenda com uma vaidadezinha, satisfeita de entender da lavoura, de ser proprietária. - A cancela está fechada, parece - disse Amaro.



— Está, fez ela. - Apanhou as saias, deu uma carreirinha. Estava fechada! Que pena! E abalava, impaciente, as grades estreitas, entre as duas fortes ombreiras de madeira encravadas na espessura do silvado.



— Foi o caseiro que levou a chave!



Agachou-se, gritou para o lado do campo, arrastando muito tempo a voz: - Antônio! Antônio!



Ninguém respondeu.



— Anda lá para o fundo da quinta! disse ela. Que seca! Se o senhor pároco quisesse, aqui adiante pode-se passar. Há uma abertura no valado, chamam-lhe o salto da cabra. Pode a gente saltar para o outro lado.



E caminhando rente ao silvado, chapinhando a lama, toda alegre:



— Quando eu era pequena nunca passava pela cancela! Saltava sempre por ali. E cada trambolhão, quando o chão estava resvaladiço com a chuva! Era um vivo demônio, aqui onde me vê! Ninguém há-de dizer, senhor pároco, hem? Ai! vou-me a fazer velha! - E voltando-se para ele, com um risinho onde luzia o esmalte dos dentes:



— Não é verdade? Estou-me a fazer velha, hem?



Ele sorria. Custava-lhe falar. O sol, batendo-lhe nas costas, depois do vinho do abade, amolecia-o: e a figura dela, os seus ombros, os seus encontros davam-lhe um desejo contínuo e intenso.



— Aqui está o salto da cabra, disse Amélia parando.



Era uma abertura estreita no valado: a terra do outro lado, mais baixa, estava toda lamacenta. Via-se dali a fazenda da S. Joaneira: o campo plano estendia-se até um olival, com a erva fina muito estrelada de pequenos malmequeres brancos; uma vaca preta, de grandes malhas, pastava; e para além viam-se tetos aguçados dos casais, onde voavam revoadas de pardais.



— E agora? perguntou Amaro.



— Agora saltar, disse ela rindo.



— Cá vai! exclamou ele.



Traçou a capa, saltou: mas escorregou nas ervas úmidas, - e imediatamente Amélia, debruçando-se, rindo muito, com grandes acenos de mãos:



— E agora adeus, senhor pároco, que eu vou ter com a D. Maria. Aí fica preso na fazenda. Para cima não pode o senhor pular, pela cancela não pode o senhor passar! É o senhor pároco que está preso...



— Ó menina Amélia! ó menina Amélia!



Ela cantarolava-lhe, escarnecendo:



Fico sozinha à varanda,



Que o meu bem está na prisão!



Aquelas maneirinhas excitavam o padre - e com os braços erguidos, a voz cálida:



— Salte, salte!



Ela então fez voz de mimo:



— Ai, tenho medinho! tenho medinho...



— Salte, menina!



— Lá vai! gritou ela bruscamente.



Saltou, foi cair-lhe sobre o peito com um gritinho. Amaro resvalou, firmou-se - e sentindo entre os braços o corpo dela, apertou-a brutalmente e beijou-a com furor no pescoço



Amélia desprendeu-se, ficou diante dele, sufocada, com a face em brasa, compondo na cabeça e em roda do pescoço, com as mãos trêmulas, as pregas da manta de lã. Amaro disse-lhe:



— Ameliazinha!



Mas ela de repente apanhou os vestidos, correu ao comprido do valado. Amaro, com grandes passadas, seguiu-a atarantado. Quando chegou à cancela, Amélia falava ao caseiro, que aparecia com a chave.



Atravessaram o campo junto ao regueiro, depois a rua coberta com a parreira. Amélia adiante palrava com o caseiro; e atrás Amaro, de cabeça baixa, seguia muito murcho. Ao pé da casa Amélia parou, fazendo-se vermelha, compondo sempre a manta em redor do pescoço:



— Ó Antônio, disse, ensine o portão ao senhor pároco. Muito boas tardes, senhor pároco.



E através das terras úmidas correu para o fundo da quinta, para os lados do olival.



A Sra. D. Maria da Assunção ainda lá estava, sentada numa pedra, tagarelando com o tio Patrício; um bando de mulheres, com grandes varas, batiam em redor a ramagem das oliveiras.



— Que é isso, tonta? De onde vens tu a correr, rapariga? Credo! que doida!



— Vim a correr, disse ela toda vermelha, sufocada.



Sentou-se ao pé da velha; e ficou imóvel, com as mãos caídas no regaço, respirando fortemente, os beiços entreabertos, os olhos fixos numa abstração. Todo o seu ser se abismava numa só sensação:



— Gosta de mim! Gosta de mim!





Estava há muito namorada do padre Amaro - e às vezes, só, no seu quarto, desesperava-se por imaginar que ele não percebia nos seus olhos a confissão do seu amor! Desde os primeiros dias, apenas o ouvia pela manhã pedir de baixo o almoço, sentia uma alegria penetrar todo o seu ser sem razão, punha-se a cantarolar com uma volubilidade de pássaro. Depois via-o um pouco triste. Por quê? Não conhecia o seu passado; e lembrada do frade de Évora, pensou que ele se fizera padre por um desgosto de amor. Idealizou-o então: supunha-lhe uma natureza muito terna, parecia- lhe que da sua pessoa airosa e pálida se desprendia uma fascinação. Desejou tê-lo por confessor: como seria estar ajoelhada aos pés dele, no confessionário, vendo de perto os seus olhos negros, sentindo a sua voz suave falar do Paraíso! Gostava muito da frescura da sua boca; fazia-se pálida à idéia de o poder abraçar na sua longa batina preta! Quando Amaro saía, ia ao quarto dele, beijava a travesseirinha, guardava os cabelos curtos que tinham ficado nos dentes do pente. As faces abrasavam-se-lhe quando o ouvia tocar a campainha.



Se Amaro jantava fora com o cônego Dias, estava todo o dia impertinente, ralhava com a Ruça, às vezes mesmo dizia mal dele, "que era casmurro, que era tão novo que nem inspirava respeito". Quando ele falava de alguma nova confessada, amuava, com ciúme pueril. A sua antiga devoção renascia, cheia de um fervor sentimental: sentia um vago amor físico pela Igreja; desejaria abraçar, com pequeninos beijos demorados, o altar, o órgão, o missal, os santos, o Céu, porque não os distinguia bem de Amaro, e pareciam-lhe dependências da sua pessoa. Lia o seu livro de missa pensando nele como no seu Deus particular. E Amaro não sabia, quando passeava agitado pelo quarto, que ela em cima o escutava, regulando as palpitações do seu coração pelas passadas dele, abraçando o travesseiro, toda desfalecida de desejos, dando beijos no ar, onde se lhe representavam os lábios do pàroco!





A tarde caía quando D. Maria e Amélia voltaram para a cidade. Amélia adiante, calada, chibatava a sua burrinha, enquanto D. Maria da Assunção vinha palrando com o moço da quinta, que segurava a arreata. Ao passarem junto à Sé tocou a Ave-Maria. E Amélia, rezando, não podia destacar os olhos das cantarias da igreja tão grandiosamente erguidas, decerto para que ele ali celebrasse! Lembravam-lhe então domingos em que o vira, ao repicar dos sinos, dar a bênção dos degraus do altar-mor: e todos se curvavam, mesmo as senhoras do morgado Carreiro, mesmo a Sra. baronesa da Via-Clara e a mulher do governador civil, tão orgulhosa com o seu nariz de cavalete! Dobravam-se sob os seus dedos erguidos, e achavam decerto também bonitos os seus olhos negros! E era ele que a tinha apertado nos braços, ao pé do valado! Sentia ainda no pescoço a pressão cálida dos seus beiços: uma paixão flamejou como uma chama por todo o seu ser: largou a arreata do burrinho, apertou as mãos contra o peito, e cerrando os olhos, lançando toda a sua alma numa devoção:



— Oh, Nossa Senhora das Dores, minha madrinha, faz que ele goste de mim!



No adro lajeado cônegos passeavam, conversando. A botica defronte já tinha luz, os bocais reluziam; e por detrás da balança a figura do farmacêutico Carlos, com o seu boné bordado a miçanga, movia-se majestosamente.



Obtida de "http://pt.wikisource.org/wiki/O_Crime_do_Padre_Amaro/VII"

Categoria: O Crime do Padre Amaro

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D. Dinis – (O Lavrador)




Reinou de 1279 a 1325

















(1248-1385)

D. Dinis -



Rei de Portugal e do Algarve















Sucedendo a D. Afonso lll, seu pai, o seu maior cuidado consistiu e promover o engrandecimento e riqueza de Portugal. Para isso, concedeu vários forais e fundou e reconstruiu muitos castelos e povoações. Neste reinado, deu-se protecção a:

Agricultura, mandando cultivar muitas terras incultas, enxugar terrenos pantanosos, plantar vinhas e semear o Pinhal de Leiria e o da Azambuja;

Indústria, auxiliando a exploração de minhas de ouro, prata e cobre, favorecendo as indústrias da pesca e de tecidos de linho;

Comércio, criando mercados e feiras francas em muitas localidades;

Marinha, promovendo a construção de navios, a fim de serem transportadas para o estrangeiro as nossas mercadorias; instituindo a Bolsa do Comércio do Porto e mandando vir do estrangeiro marinheiros experimentados, entre os quais se conta o genovês Manuel Pezagno, que desempenhou as funções de Almirante;

Intrução, fundando a Universidade de Lisboa, primitivamente conhecida pelo nome de Estudo Geral, que mais tarde transferiu para Coimbra; ordenando que se usasse, nos documentos escritos, a língua portuguesa, em substituição da latina até então empregada (1290); protegendo os trovadores (poetas). O próprio rei era o melhor trovador do seu tempo.

Neste reinado, foi extinta pelo Papa a antiga Ordem dos Templários. Porém, D. Dinis conseguiu que, em sua substituição, fosse criada a Ordem de Cristo, para a qual passaram todos os bens dos Templários em Portugal, em 1319.

Em 1295, por motivos referentes à demarcação de fronteiras, D. Dinis invadiu o reino de Castela, governado por Fernando lV, tendo-se apoderado de algumas terras situadas entre o rio Côa e o Douro. O Tratado de Alcanises, em 1267, pelo qual o rei de Castela reconheceu a Portugal a posse das recentes conquistas, pôs termo ao conflito.

Era santa a esposa de D. Dinis. Dotada das mais raras e sublimes virtudes, foi anjo de concórdia e de caridade; pôs termo às lutas que D. Dinis teve com o filho e com um irmão, e consolou muitos infelizes. Canonizada em 1625, ficou inscrita, ente o número das santas mais veneradas, como o nome de Rainha Santa Isabel. Seus restos mortais encontram-se no mosteiro de Santa Clara Nova, em Coimbra. Os restos mortais de D. Dinis, encontram-se no convento de Odivelas, por ele mandado construir.







OS LUSIADAS - CANTO III

(...)



96 - Dom Dinis

"Eis depois vem Dinis, que bem parece

Do bravo Afonso estirpe nobre e dina,

Com quem a fama grande se escurece

Da liberalidade Alexandrina.

Com este o Reino próspero florece

(Alcançada já a paz áurea divina)

Em constituições, leis e costumes,

Na terra já tranquila claros lumes.



97 - Fundação da Universidade de Coimbra

"Fez primeiro em Coimbra exercitar-se

O valeroso ofício de Minerva;

E de Helicona as Musas fez passar-se

A pisar do Monde-o a fértil erva.

Quanto pode de Atenas desejar-se,

Tudo o soberbo Apolo aqui reserva.

Aqui as capelas dá tecidas de ouro,

Do bácaro e do sempre verde louro.

(...)







MONTE REAL





Primitivamente chamada de Póvoa de Monte Real, recebeu privilégios e foi elevada à categoria de vila por D. Dinis, em 1292.

ORIGEM DO NOME:

“A dois passos da cidade de Leiria e próximo da estrada da Figueira da Foz, existe, empoleirada num alto e rodeada de pinheirais frondosos, uma povoaçãozinha curiosa a que não falta o perfume das lendas e tradições. O seu nome não pode ser mais belo; a paisagem que a emoldura não pode ser mais suave; o céu (o céu de Portugal !) não pode ser mais azul; e, como o mar lhe fica perto e os campos que a rodeiam são dos mais lindos da terra lusa, a vila antiga, com todos os seus encantos, foi escolhida em tempos distantes para a residência da Corte Real.

“...como mansa pomba alvíssima, nevada, /inda hoje entre vegetais ao longe se levanta /

ufana de ter sido o templo duma santa / e o alcácer dum rei !...”.

E a vila de Monte Real, alegre e graciosa, onde paira o espírito de Isabel de Aragão, que, das janelas dos seus Paços, tantas vezes contemplou os prados verdejantes do rio Lis, e tantas vezes, também, esperou até altas horas D. Dinis, enamorado das lindas camponesas da região, robustas, elegantes, alegres e formosas.

A vilazinha antiga passa os dias na contemplação daquele pinhal imenso, que o Rei Lavrador (também Trovador – D. Dinis) mandou plantar, parecendo olhar, do alto, o rumo das caravelas construídas na foz do poético Lis.

A terra, pequenina, pobrezinha, tem uma história tão bela e uma paisagem tão rica, que o povo, sempre poeta, ainda hoje a canta nos seus versos:



“Vila de Monte Real / Tem figueiras ao redol / tem rapazes como a Lua /

Raparigas como o Sol.

Vila de Monte Real / É um perfeito jardim, /

Tem um craveiro ao princípio / E uma roseira ao fim.

Vila de Monte Real / Tem ladeiras a subir, /

Quem lá vai tomar amores / Vai ao Sol e torna a vir”



A povoação de Monte Real é muito antiga, correndo que já existia nos tempos pré-históricos, como o demonstra o aparecimento de numerosas ossadas, moedas e inscrições. D. Dinis fez de Monte Real a sua estância favorita, para gozar a amenidade do clima e as relações galantes que teve por aquelas terras encantadoras, onde os amores do Rei Trovador ainda não estão esquecidos”. (Dr. António Montês – 1943).

“A sua origem perde-se na bruma dos tempos. Pela situação privilegiada e riqueza do solo, sempre esta terra foi cobiçada desde os tempos pré-históricos. Conforme vários peritos na historiografia desta terra, a povoação de Monte Real teria sido fundada em Outubro de 1292, por D. Dinis, no Reguengo de Ulmar que começava onde hoje é a Barosa (localidade a noroeste de Leiria) e se estendia até ao mar, na foz do rio Lis. Posteriormente chamou-se também “Póbra” de Mõ Real e Vila da Póvoa de mon Real; também foi chamada de o Reguengo da Camarinha. À Póbra de Mô Real, D. Dinis concedeu em 1310, com numerosos privilégios, a 1ª carta de foro do “Regaêgo” que chamaram Camarinha. Em 1312 D. Dinis concedeu a 2ª carta de foro do Regaêgo de Ulmar. O termo “ulmar” vem de uma espécie de árvore chamada ulmeiro que abunda na região. Monte Real foi, então, elevada à categoria de vila com juiz ordinário ecâmara de três vereadores. D. Dinis aforou todos os terrenos pertencentes a Ulmar; cedeu aos povoadores, através do pagamento de um quarto de todas as colheitas de pão e outros frutos, o Reguengo da Camarinha, isto é, a região que vai do mar ao que ainda hoje se chama Caminho e Monte da Bóca, que fica a cerca de um quilómetro a montante dos Paços de Monte Real; concedeu, através do pagamento de um terço de todas as colheitas de pão e outros frutos, a parte do fundo do Ulmar que vai do lugar do Freixo até ao Camarinho, isto é, desde o Campo do Freixo, a montante de Riba ‘ Aves, ao Tacanho (perto da localidade de Amor), até ao citado Monte da Bóca”. (Padre Isidro da Piedade Alberto – 1955).

Monte Real é uma estância termal de grande nomeada, e foi elevada a vila no final do século Xlll. Na parte da vila velha, na zona mais alta da actual povoação, restam alguns vestígios da sua importância quando ainda era Póvoa de Monte Real, tais como o antigo Paço Real, reduzido a uma modesta construção restaurada, que recorda os tempos em que D. Dinis e a Rainha Santa Isabel o terão habitado. Não muito longe, mas quase perdido na borda do caminho, encontra-se o pelourinho, quinhentista, atestando jurisdição municipal, e uma ermida de onde se alcança uma ampla e agradável vista sobre os campos do Lis. Na zona baixa, junto à frondosa mata que aconchega os edifícios termais, as vivendas multiplicam-se por trás de bonitos jardins, bem perto dos vastos campos aproveitados pela agricultura desde que o citado rei os mandou enxugar, transformando assim em terra fértil e arável o antigo paul de Ulmar, que os ocupava. Essa obra foi realizada por Frei Martinho, do Mosteiro de Alcobaça, na altura especialista em tais trabalhos. A Monte Real, em consequência da presença assídua do rei D. Dinis, está inteiramente ligado o seu nome, além de lendas a que as suas aventuras de monteiro e galenteador deram origem.

Subordinada à presença do rio Lis e do seu afluente o Lena, toda esta região se caracteriza não só pela fertilidade dos campos que a marginam, facilmente irrigados, como também pela aptidão para a cultura florestal, representada pelas extensas áreas ocupadas pelo pinhal. Tudo ali verdeja quando esses campos estão ocupados pelas culturas que lhes são próprias, só os tons são diferentes. A sensação que se colhe percorrendo-a é de uma amenidade pouco vulgar, traduzida por um ambiente saudável e calmante; nada é brusco, nada é agreste, nada fere, magoa ou assusta. Apenas o morro onde se ergue o Castelo de Leiria e, em frente dele, um outro dominado pela Igreja da Nossa Senhora da Encarnação quebram a suavidade da paisagem, que se estende das serranias calcárias que a limitam a nascente até ao Atlântico, a poente. Paira em tão vasta área, por um lado, a influência da assídua presença de D. Dinis, que a preferia, e, por outro, a de D. João l e D. Nuno Álvares Pereira – O Condestável do Reino. O primeiro deixou-a assinalada pelas obras que ali realizou, desde o castelo ao enxugo do paul do Ulmar e aos Paços de Monte Real, pelo desenvolvimento dado à mata de Leiria e ainda pelas lendas e toponímia ligada aos seus desvarios sentimentais. D. João l e o seu condestável deixaram a recordação dos actos heróicos com que os portugueses conseguiram fazer vingar a sua independência.

Entre a cidade de Leiria e Monte Real, fica a localidade de AMOR, tão conhecida e cantada pelos amores ilícitos do galante rei D. Dinis – o Lavrador mas também conhecido pelo Trovador:

“Certa noite em que D. Dinis regressava ao Paço de Monte Real, perguntou-lhe a Rainha Santa: - “Donde vides?”. – “De AMOR”, respondeu o rei. E talvez por causa da namorada, a mor de todas ao que se diz a lenda, ficou o nome à povoaçãozinha graciosa:

Com tal beleza / Tal camponesa / Dos campos em flor / Soprou a chama ... / Que inda se chama / A aldeia – AMOR” (Dr. António Montês – 1949)

“Trovador meu rei, a nossa província é bela: tem o mar, a espessura verde, o campo em flor, e a alta serra. E Coimbra é perto e nossa. Tem castelos de orgulho, mosteiros de glória com capelas de heróis, e os túmulos onde sonham Tristan e Iseu, que nós cantamos. E estas terras inda são cheias de ti, oh Lavrador ! Que imensa barcarola o nosso jardim marinho, onde aprendi certos ritmos que ora são de toda a gente. E que linda lembrança tua é uma terrinha humilde que eu jamais quis ver, perto de outra que te recorda também: Monte Real. Jamais quis ver essa aldeia vizinha, e, que passeei a cavalo esta província toda, porque ela tem o nome mais belo do mundo: AMOR. Quero guardar preciosa a mentira de minha fantasia, quando imagino o local onde amavas não sei qual das tuas donas. O povo conta o romance da terra amorosa, daquela eu jamais quis ver para guardar preciosa a mentira do meu sonho: - Ai flores do verde pinho ! Seria Aldonsa ? Grácia ? Marinha ? ou Branca ? Que importa, se todas elas eram rimas de um só cantar. De Monte Real foras vê-la e nos beijos da sua boca esqueceras que o dia passara e ao lusco – fusco te soltaras deles.

Os beijos de Aldonsa ? De Branca ?. Os beijos de Grácia ou Marinha ? Que importa, se o beijo era um só, em outras bocas beijado ! E pela noite adiante cavalgavas, oh com saudades já daqueles beijos, daqueles beijos que quando mais se davam, mais sede faziam !. E vinhas compondo uma trova em louvor da amiga fremosa, de bem talhada, da louçana e da valida. Em louvor de Aldonsa ? De Branca ? De Grácia ou Marinha ? Que importa se as suas trovas cantavam mas era o amor ! Mas eis que ao longe enxergas uma fila de luzes, e as luzes desciam do castelo e entornavam-se tremeluzindo pelo vale ...

Era a Rainha Santa que te esperava com uma multidão de pagens que erguiam no ar as pinhas que ardiam brilhando: - Senhor (sorriu gravemente a Rainha) cego vindes de amor e eu vos alumio por que vós não percais ...

Desde então chama-se AMOR a terra que eu jamais quis ver, para guardar preciosa a mentira do meu sonho. E no sítio onde a Rainha Santa falou, fez-se a aldeia de Cégodim, (hoje Segodim) que recorda as palavras da Rainha. Com o tempo, o povo as trocou ...”. (Lenda contada por Afonso Lopes Vieira – 1954).

“Das lendas, a que mais se conserva na memória do povo, apesar de alguns ilustres escritores a terem reivindicado para outros lugares de Portugal, é a de Cegovindes.

Vivia a Rainha Santa – diz a lenda – amargurada em seus Paços de Monte Real pelas frequentes ausências do Rei, seu esposo, distraído como andava em digressões amorosas. Certamente, inquieta e cansada de esperar, resolveu a Rainha ir com alguns pagens, munidos de tochas acesas, postar-se no caminho onde sabia que o rei devia passar. Quando este chegou cavalgando, ao deparar com o que via, apeou-se e, disse agastado, dirigindo-se à esposa: - Que fazeis aqui, Senhora Minha, com gente tanta ?!.

Vim alumiar-vos o caminho, Senhor – respondeu a Rainha – pois cego vindes de amor...

Verdade ou lenda, o certo é que ainda hoje existe à beira do caminho que leva ao lugar de AMOR (agora sede importante freguesia do concelho de Leiria, o lugar de Segodim, que pertence à freguesia de Monte Real, de que dista cerca de um quilómetro”. (Olímpio Duarte Alves – 1955).

“A mesma lenda contada pelo Dr. António Montês (1943):

No Inverno inundavam-se os campos formosos, e D. Dinis mandou abrir uma vala real no reguengo. Para ir de Monte Real a AMOR, se não pudesse ir de barco, teria de fazer grande desvio, e passar ao lugarejo que hoje tem o nome de Segodim. Conta-se que a Rainha Santa, sabendo das relações do rei com a zagala, mandara um dia esperar o monarca à serra, indo os criados de brandões acesos, para que não se perdessem nessa noite escura de inverno. D. Dinis não gostou da surpresa, mas a Rainha, aparecendo, repreendeu-o docemente, dizendo: - “Vindes tão cego, Senhor, que julguei melhor mandar alumiar-vos o caminho”. El – Rei, humilhado, confessou a culpa, e respondeu: - “Cego vim, Senhora”. E daí chamar-se Cegovim ao lugarejo, que hoje, tem o nome de Segodim”.

“AMOR: / Minha vizinha aldeia de Amor, / jamais em ti os pés hei-de pôr.

Jamais em ti hei –de pôr os pés / para te julgar como tu não és.

Donde vem teu nome, teu nome de Amor? / Da Aldonsa? De Grácia ? De que boca em flor ?

Elas eram tantas, tantas eram elas / Tal o céu à noite cheinho de estrelas !

Que belo destino entre os doutros bardos ! / - Semear navios e criar bastardos !...”.

Nem sempre a grafia de um nome de lugar revela completamente a pronúncia do mesmo, e podemos por isso ser levados a interpretá-lo de modo errado. Também da grafia incorrecta se origina em muitas pessoas, não raramente, uma pronúncia que não corresponde à usada na circunscrição a que o lugar pertence ...

Quem conhece a freguesia de Amor, no concelho de Leiria, só pela escrita, entenderá que temos aí o substantivo comum amor: e isso não é assim, porque os naturais dizem “Àmor”, com o “a” aberto, embora átono. “Àmor” faz suspeitar que a forma anterior seria AAMOR, havendo-se “aa” desenvolvido (sic) em à, como em aalém e aaquém ... De facto, assim como no latim amore corresponde àmor assim adamor, pode Ter-se feito corresponder adamor (cfr. Adamátor citado pelos lexicógrafos como de Tertuliano). O acusativo adamorem dava perfeitamente aamor ou Aamor, depois Àmor.” (Dr. Leite de Vasconcelos – 1946).

D. Dinis - “o Lavrador”

Nasceu em Lisboa em 09-10-1261. Filho de D. Afonso lll e de D. Beatriz de Castela. Subiu ao Trono, por morte de seu pai, em 16-02-1279. Faleceu em Santarém em 07-01-1225, com 64 anos de idade. Reinou cerca de 46 anos. Casou com D. Isabel, filha mais velha do rei de Aragão, Pedro lll, celebrado em Barcelona, por procuração, em 11-02-1282. Do seu casamento com a Rainha Santa Isabel teve apenas dois filhos: D. Constança e D. Afonso que lhe sucedeu no Trono. Fora do matrimónio, teve mais 4 filhos e duas filhas.

D. Dinis herdou do pai um conflito grave com o alto clero e com a Santa Fé. Tal conflito só ficou apaziguado com a virtuosa intervenção de sua esposa, a Rainha Santa Isabel, em 1289, após longas e morosas negociações, com uma concordata e um acordo. A colonização interna e a protecção à agricultura contam-se entre os mais desvelados cuidados do rei D. Dinis. Facilitou a distribuição da propriedade, atraiu as classes elevadas aos trabalhos agrícolas, mandou proceder a importantes trabalhos de enxugo, como foi o caso dos campos do Ulmar, de Monte Real. Alargou a plantação do Pinhal de Leiria (hoje também conhecido pelo Pinhal do Rei), que mais tarde deu a madeira para as primeiras naus portuguesas, protegeu a instituição de feiras francas, privilegiou a exploração de minas, desenvolveu a marinha. Teve graves conflitos com o irmão Afonso e também com o filho do mesmo nome. D. Isabel de Aragão foi a grande pacificadora nestes conflitos. D. Dinis criou ainda em 01-03-1290, em Lisboa, o Estudo Geral, que depois foi transferido para Coimbra em 1308, onde mais tarde nasceu a Universidade de Coimbra. D. Dinis foi um rei poeta e trovador:



Ai Flores

“Ai flores, ai flores de verde pino / Se saberes novas do meu amigo ! / Ai Deus, e hu é ?.

Ai flores, ai flores do verde ramo, / Se saberdes novas do meu amado / Ai Deus, e hu é?

Se sabedes novas do meu amigo, / aquei que mentiu do que pós comigo ! / Ai Deus, e hu é?

Se sabedes novas do meu amado, /

Ai Deus, e hu é ?

Vos me perguntades polo voss’ amigo, /

E eu bem digo que é sano e vivo; / Ai Deus, e hu é ?

Vos me perguntades polo voss’ amado, / e eu bem vos digo que é viv’ e sano. /

Ai Deus, e hu é ?

E eu bem vos digo que é san’ e vivo, / E será vosc’ ant’ prazo saído; / Ai Deus, e hu é ?

E eu bem vos digo que é viv’ e sano, / e será vosc’ ant’ o prazo passado !

Ai Deus, e hu é ?”.

QUER’EU

“Quer’ eu en maneyra de proençal / fazer agora hun cantar d’ amor / e querrey muyt’ loar mha senhor / o o que prez nem fremusura non fal, / nen bondade, e mays uos direy en: /

tanto a fez Deus comprida de bem / que mays que todas las do mundo ual:

Ca mha senhor quiso Deus fazer tal / quando a fez sabedor / de todo bê de mui grã valor / e cõ tod´est (o) é mui comunal / aly hu deve: er dei-lhi bsem / e des y lhi fez pouco de bem /

quando nõ quis que lh’ foss’ igual.

Ca em mha senhor n~uca Deus pos mal, / mays pos hi prez e beldad’ e loor / e falar mui b~e e rijr melhor / que outra molher; des y é leal / muyt´, e por esto n~sey oi eu quê / possa compridam~ete no seu bê / falar, ca nõ á, tra lo seu bem, al”



Duas poesias do Rei D. Dinis, em português da época (medieval)



D. Isabel de Aragão ( a Rainha Santa Isabel)

“Nasceu em Saragoça, então cidade do reino de Aragão (Espanha), em 1271. Recebeu a benção matrimonial do seu casamento com o rei D. Dinis, por procuração, feito, simultaneamente em Barcelona e na Igreja de Trancoso, em 24-06-1282.

Rainha de Portugal, foi o Anjo da Paz. Com a morte do Rei D. Dinis, seu marido, em 1325, entrou para o Convento de Santa Cruz, em Coimbra. Faleceu no Castelo de Estremoz, em 04-06-1336, sendo o cadáver transportado para a Igreja do Convento de Santa Clara de Coimbra, onde mandara construir o seu túmulo. Em 1612, foi o túmulo aberto achando-se incorrupto o seu corpo, como ainda está hoje no novo túmulo em prata, da Igreja do actual Convento de Santa Clara, para onde foi transladado em 1696. Foi beatificada em 1516 e canonizada em 1625, pelo então Papa Urbano Vlll. Era filha do rei D. Pedro lll, de Aragão, e da rainha D. Constança. A Rainha Santa viveu temporadas no seu Palácio de Monte Real, parte do qual é hoje ocupado pela Capela, onde se venera a sua imagem que é contemporânea da capela, isto é, do século XVll. A capela foi edificada pelo bispo de Leiria, D. Martim Mexia, entre 1605 e 1615. A Rainha Santa era uma mulher cheia de doçura, bondade, equilibrada, discreta, muito inteligente e bem educada. Gostava da vida interior e do trabalho silencioso. Jejuava muito, comovia-se com os que erravam, rezava muito, distribuía esmolas aos necessitados e governava a sua casa. Neta de Jaime l e bisneta de Frederico ll da Alemanha, deles herdou a energia e a força de alma.

Muito mulher, mas cristã atè à medula da alma, criou até os filhos ilegítimos do seu marido, o Rei D. Dinis. Mandou construir igrejas, mosteiros e hospitais. Nas suas viagens, ao ver os pobres sentados às portas das vilas e aldeias, distribuía-lhes roupa e alimento, visitava os doentes e cuidava deles.

Beijava até os pés das mulheres leprosas. À Rainha Santa se atribuem milagres lendários, entre os quais, o famoso milagre das rosas: Indo ela levar pão aos seus pobres, no seu regaço, apareceu-lhe, de repente, o seu marido, D. Dinis, que, ciumento, não gostava de tais atitudes, que ele considerava baixas, da sua santa esposa. O marido pergunta-lhe: “ o que levas aí no teu regaço ?”. E ela responde-lhe: “São rosas, meu Senhor”. Entretanto, abre o regaço e em vez do pão que realmente levava, surgem verdadeiras rosas. O rei ao vê-las acalma-se e a rainha admira-se do prodígio, ao ver o pão transformado em verdadeiras rosas “.



D. Dinis . O Lavrador

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D. Dinis, que se tornou Rei muito jovem, logo com 18 anos, cedo procurou evitar, através das Inquirições, as usurpações do património real, levadas a cabo tanto pela nobreza como pelo clero.

É preciso ter em conta que Portugal era um país fronteiriço e que necessitava seriamente de um poder central minimamente forte para fazer frente às dificuldades que obviamente lhe surgiam.

Este Rei tomou várias medidas para incentivar a agricultura, atribuindo terras a quem as quisesse trabalhar, fragmentando as grandes propriedades não cultivadas, fomentando a drenagem de várias terras alagadas tornando-as boas terras agrícolas.

A nível agrícola a sua iniciativa mais conhecida acabou por ser a plantação do pinhal de Leiria.

Foi com D. Dinis que se começou a incrementar, com a contratação do genovês Manuel Pessanha, a força naval portuguesa. Começaram também as explorações das minas de estanho, prata e enxofre.

D. Dinis fomentou também a actividade comercial, com as conhecidas feiras francas nas quais os comerciantes estavam isentos de pagamento de vários impostos.

Este reinado foi ainda marcado pela normalização das relações com a Santa Sé concluída com a assinatura da Concordata em 1289.

Nacionalizaram-se as ordens religiosas militares de Santiago e dos Templários tendo sido criada, em seu lugar, a Ordem de Cristo.

O reinado de D. Dinis teve duas nódoas, ironicamente, no início e no fim do seu reinado e ambas foram as guerras civis, primeiro com o seu irmão que queria tomar-lhe o trono e depois, com o seu filho, futuro D. Afonso IV, que exigiu lhe fosse entregue a condução do reino por suspeitar que D. Dinis queria conduzir, como seu herdeiro, o seu filho ilegítimo, Afonso Sanches.

D. Isabel de Aragão, teve um papel, como se sabe, fundamental no apaziguamento das relações entre pai e filho.

D. Dinis morreu em 7 de Janeiro de 1325, com 64 anos de idade, tendo reinado durante 46 anos.

Publicado por André Abrantes Amaral em Março 19, 2004 09:51 AM



D. Dinis (também existe a grafia arcaizante Diniz) - (o Lavrador)

http://pt.wikipedia.org/wiki/Dinis_de_Portugal

(9 de Outubro 1261 – 7 de Janeiro 1325, Santarém), rei de Portugal, filho de D. Afonso III e da infanta Beatriz de Castela, neto de Afonso X de Castela. Foi aclamado em Lisboa em 1279. Cognominado O Lavrador ou O Rei-Agricultor (pelo impulso que deu no reino àquela actividade) e ainda, O Rei-Poeta ou O Rei-Trovador (pelas Cantigas de Amigo e de Amor que compôs e pelo desenvolvimento da poesia trovadoresca a que se assistiu no seu reinado), foi o sexto Rei de Portugal. Foi o primeiro rei português a assinar os seus documentos com o nome completo. Presume-se que tenha sido o primeiro rei português não analfabeto [1].

Como herdeiro da coroa, D. Dinis desde cedo foi envolvido nos aspectos de governação pelo seu pai. À data da sua subida ao trono, Portugal encontrava-se em conflito com a Igreja Católica. D. Dinis procurou normalizar a situação assinando um tratado com o Papa Nicolau III, onde jurava proteger os interesses de Roma em Portugal. Salvou a Ordem dos Templários em Portugal através da criação da Ordem de Cristo, que lhe herdou os bens em Portugal depois da sua extinção e apoiou os cavaleiros da Ordem de Santiago ao separarem-se do seu mestre castelhano.

D. Dinis foi essencialmente um rei administrador e não guerreiro: envolvendo-se em guerra com Castela em 1295, desistiu dela em troca das vilas de Serpa e Moura. Pelo Tratado de Alcanises (1297) firmou a Paz com Castela, definindo-se nesse tratado as fronteiras actuais entre os dois países ibéricos. Por este tratado previa-se também uma paz de 40 anos, amizade e defesa mútuas.

A sua prioridade governativa foi essencialmente a organização do reino: continuando a vertente legisladora de seu pai D. Afonso III, a profusa acção legislativa está contida, hoje, no Livro da Leis e Posturas e nas Ordenações Afonsinas. Não são "códigos" legislativos tal como os entendemos hoje, mas sim compilações de leis e do direito consuetudinário municipal, alteradas e reformuladas pela Coroa. Com efeito, a incidência de questões de carácter processual com igual peso ao carácter de direito positivo das suas leis, denuncia a crescente preocupação do rei em enquadrar o direito consuetudinário (ou costumeiro) no âmbito da Coroa, e em efectivar o seu poder no terreno. As determinações sobre a actuação de alvazis (oficiais concelhios), juízes, procuratores e advocati demonstram isto, já que um poder meramente nominal sobre todos os habitantes do Reino, como era típico na Idade Média, não se compatibiliza com este esforço em esmiuçar os trâmites jurídicos, ou em moralizar o exercício da justiça. A criação de corregedores denuncia claramente o início do processo de territorialização da jurisdição da Coroa, extravasando os domínio régios, a par da crescente importância da capitalidade de Lisboa.

O reinado de D. Dinis acentuou a predilecção por Lisboa como local de permanência da corte régia. Não existe uma capital, mas a localização de Lisboa, o seu desenvolvimento urbano, económico e mercantil vão fazendo da cidade o local mais viável para se afirmar como centro administrativo por excelência. A articulação entre o Norte e o Sul do país - este Sul que se torna alvo da maior atenção e permanência dos reis - fazem de Lisboa centro giratório para tornar Portugal viável. Entre o Norte, onde a malha senhorial é mais densa e apertada, e o sul, onde o espaço vasto conquistado aos mouros implanta sobretudo os domínios régios e as ordens militares, assim como vastos espaços de "res nullius", torna Portugal um reino onde duas realidades diferentes se complementam.

Preocupado com as infra-estruturas do País (ver discussão), D. Dinis ordenou a exploração de minas de cobre, prata, estanho e ferro e fomentou as trocas com outros reinos, assinou o primeiro tratado comercial com o rei de Inglaterra em 1308 e criou o almirantado, atribuído como privilégio ao genovês Manuel Pessagno, e fundando as bases para uma verdadeira marinha portuguesa ao serviço da Coroa.

D. Dinis redistribuiu terras, promoveu a agricultura e fundou várias comunidades rurais, assim como mercados e feiras criando as chamadas feiras francas ao conceder a várias povoações diversos privilégios e isenções. Um dos seus maiores legados foi a ordem de plantar o Pinhal de Leiria, que ainda se mantém, de forma a proteger as terras agrícolas do avanço das areias costeiras.

A cultura foi um dos seus interesses pessoais. D. Dinis não só apreciava literatura, como foi ele-próprio um poeta notabilíssimo e um dos maiores e mais fecundos trovadores do seu tempo. Aos nossos dias chegaram 137 cantigas da sua autoria, distribuídas por todos os géneros (73 cantigas de amor, 51 Cantigas de Amigo e 10 Cantigas de escárnio e maldizer), bem como a música original de 7 dessas cantigas (descobertas casualmente em 1990 pelo Prof. Harvey L. Sharrer, no Arquivo da Torre do Tombo, num pergaminho que servia de capa a um livro de registos notariais do século XVI, e que ficou conhecido como "Pergaminho de Sharrer"). Durante o seu reinado, Lisboa foi, pois, um dos centros Europeus de cultura. A Universidade de Coimbra foi fundada pelo seu decreto Magna Charta Priveligiorum no qual foram desde logo ensinadas as Artes, o Direito Civil, o Direito Canónico e a Medicina. Mandou traduzir importantes obras, tendo sido a sua Corte um dos maiores centros literários da Península Ibérica.

Os últimos anos do seu reinado foram, marcados por conflitos internos. O herdeiro, futuro D. Afonso IV, receoso que o favorecimento de D. Dinis ao seu filho bastardo, D. Afonso Sanches o espoliasse do trono, exigiu o Poder e combateu o pai. Nesta luta teve intervenção apaziguadora a Rainha Santa Isabel que, em Alvalade se interpôs entre as hostes inimigas já postas em ordem de batalha. Tem como Descendente também o Papa Bento XIII, que foi Papa de 1724 a 1730.

D. Dinis está sepultado no Convento de São Dinis, em Odivelas.



Trabalho e pesquisa de Carlos Leite Ribeiro – Marinha Grande - Portugal

Freguesia de Amor rejeita ETAR para suiniculturas da região

O Movimento Amor Saudável (MAS) insurgiu-se hoje contra os planos para a construção na freguesia de Amor de uma Estação de Tratamento de Águas Residuais (ETAR), para dar resposta à poluição produzida pelas suiniculturas da região de Leiria.




O projecto, da empresa Recilis, está planeado para a região há anos e aponta como potencial localização a freguesia de Amor, no Vale do Lis. A ETAR vai receber efluentes suinícolas do concelho de Leiria, a maior parte pertencentes a explorações nas freguesias dos Milagres, Regueira de Pontes e Bidoeira.




Em comunicado, o MAS defende que aquela infra-estrutura deve ser construída "próximo dos principais agentes poluidores, uma vez que são também eles que retiram os naturais dividendos" da actividade.



Por outro lado, o movimento considera ser "totalmente inaceitável" a proposta para a localização da ETAR, "uma vez que na sua proximidade se encontram as nascentes das termas de Monte Real e o próprio núcleo de captação de água que irá em breve abastecer uma parte da cidade de Leiria".



Defendendo o princípio do "poluidor-pagador", o Movimento Amor Saudável considera, ainda, que a ETAR projectada pela Recilis "não se destina a tratar problemas criados pelas pessoas, mas sim problemas criados pelo desenvolvimento desregrado e concentrado de uma actividade que é a suinicultura".



Esta posição do MAS surge numa altura em que são aguardados os resultados da avaliação de impacto ambiental sobre a localização da futura ETAR, tendo o presidente da Recilis, David Neves, garantido que "a localização desta ETAR vai estar dependente" daquela avaliação.



A nova ETAR deverá custará 16 milhões de euros, devendo ter capacidade para tratar os dejectos produzidos por 180 mil porcos - equivalentes a 1500 metros cúbicos por dia -, através do sistema de digestão anaeróbia, que prevê a decomposição dos dejectos com bactérias, secando as lamas e produzindo biogás, que pode ser aproveitado para electricidade.
 
 
publico -

Lenda sobre a Origem do Nome

Fazia o Senhor Rei D.Dinis e a sua Santa mulher, a Rainha Isabel, uma mais demorada pousada em Leiria, talvez para descansar dos muitos a fazeres do seu alto cargo. Um dia, o Rei passeando no seu fogoso corcel, galopou, galopou, campos fora, e, lá longe, num pequeno lugar vê uma camponesa formosa como nenhuma outra se vira ainda em muitas léguas ao derredor.




Apaixonou-se o Rei pela camponesa e ali, naquele lugar, no meio do campo florido de papoilas e malmequeres, nasceu naquele dia um grande amor. As visitas do Rei ao seu grande amor continuaram e tornaram-se conhecidas nas redondezas, e, àquele lugar começaram a chamar Amor.



Também a Rainha soube dos novos amores do seu marido e Rei e, para lhe mostrar a sua reprovação sem o melindrar, mandou uma noite alumiar o caminho por onde o Rei, seu esposo, deveria regressar a Leiria.



D. Dinis, ao dar com as veredas, por onde voltava, com grande alumiação, de muitos fogachos, viu estar ali uma muda intenção crítica da Rainha, e exclamou: "Até aqui cego vim!" E o sítio onde começavam as iluminarias passou a chamar-se "Cegovim", que, por uma natural corruptela popular se chama hoje Segodim.

A Aldeia De Amor E A Sua Lenda Poética

«Foi o desvio amoroso por essa louçania de corpo delgado que deu origem à poética lenda com que se explica a toponímia da bucólica aldeia de tão sugestivo nome: aldeia de Amor - nos arredores litorâneos de Leiria.. Em seus passos de Leiria a abandonada real sofria com a suspeita dos devaneios del-Rei nas furtivas saídas do baiozinho para as bandas do litoral, porventura com o pretexto de inspeccionar a enorme floresta em que pusera tão subido interesse e donde não voltava se não tardiamente e a más horas...




Ora numa noite de lua nova, regressava o enamorado do seu abrigo de amor quando, no meio da escuridão, começou a ver surgir ao longo dos caminhos, ígneos e fantásticos vulcões de fogo, lumes espectrais que misteriosamente se erguiam e desfaziam no negrume da noite, espantando o baiozinho amedrontado e o cavaleiro que vertiginosamente corria em alucinante desfilada. Quando à chegada do palácio, ainda deslumbrado pela perseguição das chamas, El-Rei desmontou da sela do cavalo cujos músculos tremiam nervosamente sob a pele crispada e alagada de suor, deparou com Santa Isabel que voltava de rezar matinas na igrejinha castelã da Senhora



da Pena. E contou-lhe, assombrado ainda pela maravilha, a aparição dos fantásticos fogachos por entre cujos clarões vinha de fazer uma corrida desvairada. E logo Isabel, com um sorriso tímido na ingénua luz do seu olhar: -Senhor! Decerto seriam luzes para alumiar os vossos olhos que tão ceguinhos andam de amor...»



(Cortez Pinto, Diónisos, Poeta e Rey).